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DISCURSO DE POSSE DE EVERARDO MACIEL NA ACADEMIA NACIONAL DE ECONOMIA
Publicado dia:10/06/2017
Fonte:



DISCURSO DE POSSE DO EXMO. SR. ACADÊMICO EVERARDO MACIEL NA AGE DA ACADEMIA NACIONAL DE ECONOMIA - ANE, EM 1 DE JUNHO DE 2017, REPRESENTANDO OS ACADÊMICOS  EMPOSSADOS.

Excelentíssimo Confrade Acadêmico Oswaldo Alves de Mattos
Digníssimo Presidente, da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais (Academia Nacional de Economia – ANE)
Excelentíssimas Confreiras Acadêmicas 
Excelentíssimos Confrades Acadêmicos
Senhoras, Senhores
 
Honra-me integrar esta Academia Nacional de Economia, instituição que desde 1944 firmou uma tradição de espaço nobre para discussão de temas concernentes à Sociedade e à Economia, mormente aqueles aproveitam ao interesse nacional.
Honra-me, igualmente, passar a desfrutar do convívio de renomados intelectuais. Minha primeira palavra, pois, há de ser de agradecimento aos que acolheram a indicação da Confreira Acadêmica Professora Mary Elbe Queiroz. 
Tive o privilégio de trabalhar com a Professora Mary Elbe, quando Secretário da Receita Federal, entre 1995 a 2002. Uma inteligência brilhante aliada à coragem intelectual de expor seu pensamento sem sujeitá-lo às conveniências da hierarquia.
Depois disso, a Confreira Mary Elbe só cresceu. Não apenas como profissional do direito tributário, mas como professora que percorreu todos os degraus da titulação acadêmica.

Por ser o primeiro titular da Cátedra 88 desta egrégia instituição, devo fazer uma breve referência a Gustavo Capanema, seu patrono, emérito político e intelectual mineiro.
Provavelmente, sua passagem à frente do Ministério da Educação e Cultura (MEC), entre 1934 e 1945, tenha sido a mais relevante página de sua vida pública.
Como bem assinalam Simon Schwartzman e outros, em “Tempos de Capanema”, o eminente patrono cercou-se de intelectuais de escol, como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Cecília Meireles, Lúcio Costa, Vinícius de Morais, Afonso Arinos de Melo Franco e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Foi o responsável pela construção do edifício-sede do MEC, neste Rio de Janeiro, cujo projeto foi de responsabilidade de uma equipe na qual participaram, em diferentes funções, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Bruno Giorgi, Roberto Burle-Marx, Cândido Portinari. 
O edifício reproduzia a arquitetura retilínea e leve de Le Corbusier, um símbolo da modernidade. Era a "catedral da moderna arquitetura mundial", nas palavras do poeta e calculista pernambucano Joaquim Cardoso.
Em sua fecunda gestão no MEC, Capanema criou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Instituto Nacional do Livro. 
A partir de 1942, foram promulgadas as leis orgânicas do ensino, que até 1961 constituíram a legislação educacional brasileira. Sua relevância e caráter inovador foi de tal ordem, que se inscreveram na história da educação brasileira como a “Reforma Capanema”. 
Entre 1951 e 1979, Capanema tive uma intensa atividade parlamentar, como Deputado Federal e Senador por Minas Gerais.  

Senhoras, Senhores
Vivemos tempos muito estranhos. 
A globalização da economia e a revolução tecnológica são fenômenos que irreversivelmente mudaram o curso da humanidade. 
A globalização pode enfrentar resistências que alterem, episodicamente, seu ritmo e intensidade, jamais seu sentido.  
A revolução tecnológica avança exponencialmente. Em breve, já não sei se seremos humanos, ao menos como hoje somos conhecidos.
Esses fenômenos trouxeram uma prosperidade em dimensão jamais vista na história. 
Mas, como tudo que cresce é desigual, se ela foi capaz, como na China e na Índia, de resgatar pobres, às vezes vivendo segundo padrões de absoluta pobreza, foi também responsável por expor a distância que separa os que ficaram mais ricos e os que foram resgatados da pobreza daqueles que nela permaneceram.
Desigualdades fizeram eclodir ressentimentos que constituíram terreno fértil para difusão de preconceitos e quimeras de extração cultural e religiosa, gerando distúrbios comportamentais que constituem parte da explicação para as guerras e o terrorismo. 
A outra parte da explicação é bem mais antiga e sempre esteve presente na história da humanidade. São os jogos vorazes do poder. 
A caminhada civilizatória ainda não alcançou, se é que algum dia alcançará, a paz perpétua, como cogitou Kant.
O filósofo almejou uma idade da razão. E, assim, predicava: “a razão (...) condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de paz um dever imediato, que, porém, não pode ser instituído ou assegurado sem um contrato dos povos entre si (...)”.
As tentativas de construção desse contrato entre os povos, desde a Liga das Nações até a instituição da Organização das Nações Unidas e, subsequentemente, de uma miríade de organizações multilaterais, resultaram em fracassos, ressalvados curtos períodos e isoladas iniciativas.
Jamais os países mais ricos se dispuseram verdadeiramente a promover o desenvolvimento nos pobres. 
As ajudas humanitárias são pífias. Os programas de cooperação técnica e econômica mais parecem uma forma de subsidiar exportações dos países ricos e de transplantar modelos frequentemente incompatíveis com a realidade dos assistidos. Afirmo isso, por experiência própria, especialmente na África.
A pobreza, a propaganda que se faz do eldorado nos países desenvolvidos e, eventualmente, as guerras produzem gigantescos e permanentes fluxos migratórios, constituídos por refugiados e pelos que almejam escapar da miséria.
Nas novas terras, os migrantes se sujeitam a um doloroso processo de adaptação, acentuado pela rejeição dos locais. 
Só circunstancialmente, o multiculturalismo funcionou. Quase nunca se logrou preservar a identidade cultural sem antagonismos, até mesmo nos processos de caldeamento cultural.
Um turco na Alemanha, não é um alemão, mas um turco. Assim como um paquistanês no Reino Unido ou um senegalês na Itália. 
Os que nasciam na Argélia, quando colônia da França, ainda que filhos de pais franceses, ao serem repatriados eram tratados com discriminação. Eram os pieds-noirs. O notável escritor e pensador Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura de 1957, era um pied-noir e foi tratado como tal.
As migrações recentes, especialmente na Europa, revelam culturas imiscíveis, sem um pacto de coexistência e respeito mútuo. 
Naquelas terras não ocorreu, como no Brasil, o sincretismo religioso e a mestiçagem, que alguns, hoje, teimam em negar importando o rancor que ainda, infelizmente, subsiste nos Estados Unidos.
O medo da convivência com os que são diferentes e o pavor com a revolução tecnológica, que produz conhecimento nem sempre assimilável pelos mais velhos, constituem o caldo de cultura próprio para o populismo, que irá perdurar por longo prazo.

O mundo, como dizia Andrew Hurrell (“On Global Order”), se depara com três grandes desafios: como captar interesses comuns e comparti-los? Como administrar as desigualdades do poder? Como mediar o conflito de valores e a diversidade cultural? 
Para entender esses tempos tão estranhos, valho-me de Drummond (“Nosso Tempo”):
“Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra. ”

Senhoras, Senhores
Falo um pouco de mim. E lembro, a propósito, o que disse por ocasião de minha posse na Academia Internacional de Direito e Economia:

“A função pública foi o sal da minha vida. Tentei exercê-la, como predicava meu ilustre conterrâneo Joaquim Nabuco, como uma atividade missionária, centrada no servir. 
Tomo para mim as palavras de Otávio Mangabeira:
‘Tive a fortuna ou a desgraça de arremessado, ainda estudante, no campo do que se chama a vida pública, passar a pertencer a uma raça amaldiçoada: a dos que fazem da vida pública um ofício, por ela renunciando a tudo mais, por ela penando, mas perseverando e quanto mais por ela conduzidos à decepção e ao revezes, tanto mais resolutos na certeza, que para muitos não passará de ilusão, de cândida e infausta ilusão, de que é ela, quando honradamente exercida, uma forma entre as mais altas, quem sabe a mais expressiva, porquanto a mais onerosa e menos reconhecida, de amar e servir à Pátria.” 

Dediquei grande parte de minha vida pública à administração tributária e à política fiscal. Fui Secretário da Fazenda de Pernambuco e do Distrito Federal, Secretário da Receita Federal, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda e, interinamente, no exerci o cargo de Ministro da Fazenda. Mesmo tendo ocupado outros cargos públicos, foram esses os que moldaram minha identidade profissional.
Na atividade privada, sigo a mesma trajetória. Agora, como consultor tributário, conferencista, articulista e professor de “Teoria da Tributação e Política Fiscal”, no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.
Minha atividade profissional obriga-me a ver, com redobrada atenção, os problemas do Brasil de hoje.

Jamais poderia imaginar as proporções da corrupção sistêmica que tomou conta do Brasil. 
O colapso moral aliou-se a práticas exóticas de política econômica. Temos, pois, uma crise de valores com repercussões fiscais.
De tudo, restaram uma recessão sem precedentes, mais de 14 milhões de desempregados e uma investigação que expõe as vísceras das relações promíscuas entre o Estado e as empresas. O Brasil não merecia isso. 
É verdade que há sinais de reversão desse deplorável quadro: os juros e a inflação caem significativamente, o câmbio se estabiliza, o desemprego ainda que modestamente também cai, melhoram as perspectivas de crescimento. Nenhuma mudança consistente, contudo, será fácil, nem rápida. 
Parecem boas as mudanças na educação, malgrado tímidas, e na política fundiária, surpreendentemente ousadas. 
A fixação de um teto para os gastos públicos, por emenda constitucional, é apenas um ato de submissão à realidade. Não há dinheiro para tantos dispêndios. Precisamos romper as amarras do despesismo e dar concretude ao princípio constitucional da eficiência na administração pública.

A irresponsabilidade na divulgação das informações da Operação Carne Fraca e as espantosas confissões dos crimes assumidos pelos acionistas majoritários do maior frigorífico do mundo não serão, espero, capazes de abater nossa condição de líderes mundiais no setor.
Não deverá, todavia, o enfrentamento da corrupção servir de pretexto para práticas que violem a liberdade e o estado de direito. Há um limite para tudo (modus in rebus, como nos versos de Horácio). Assusta-me pensar em qualquer coisa que lembre o Terror na Revolução Francesa. 

Nenhuma trégua à corrupção. Nenhuma concessão à violação do estado de direito.
Não me surpreendem as reações às reformas previdenciária e trabalhista. Surpreendeu-me o vandalismo das reações. Verdadeira barbárie que deve ser repugnada pelos que perfilham o estado de direito.  
Se é louvável a disposição do governo Temer de enfrentar questões tão obtusamente incrustadas na realidade brasileira, não se pode elogiar a negligência governamental de esclarecer a verdadeira face desses problemas.

O atual modelo previdenciário brasileiro não é factível, sequer no curto prazo. Redução da natalidade, aumento da expectativa de vida, participação cada vez maior dos meios oriundos da inteligência artificial tornam inviáveis modelos previdenciários fundados na repartição. O futuro está em alguma variante da capitalização. 
A reação á reforma previdenciária advém dos que querem manter privilégios na ilusão de que são sustentáveis. Nessa perspectiva, não hesitam em cooptar a parcela desinformada e desconfiada da população, que, a rigor, não é alcançada pela reforma.  
Falsos, mil vezes falsos, são os argumentos que fundamentam as resistências à reforma trabalhista. Só existe um argumento verdadeiro: a resistência à extinção do imposto sindical. É ele que financia o negócio sindical. 
No Brasil, sindicatos e partidos políticos são atividades econômicas, sustentadas por recursos públicos. 
Greves, hoje, são, quase sempre, movimentos que se afastaram de sua concepção original. Coagem os que não a querem e se associam às pretensões políticas dos que governam o sindicalismo. O que é uma greve no setor público, senão uma greve contra o povo, contra os empresários e contra indefesos alunos? O que pensar de uma greve de servidores armados?  E de magistrados? 

Há uma longa estrada a percorrer. São reformas e reformas. Parodiando Pessoa, falta cumprir-se o Brasil.
O sistema político-eleitoral é uma lástima. A profusão de partidos, as coligações nos pleitos proporcionais, os gastos excessivos nas eleições são excentricidades que maculam a representatividade política. 
O burocratismo é um mal tão enraizado na realidade brasileira que parece inevitável. A mentalidade burocrática, como dizia personagem da série Star Trek, é a única constante do Universo. 
Os avanços tecnológicos incorporados por ilhas de excelência da administração pública brasileira não foram capazes de suplantar práticas arcaicas e inúteis, que são apenas desperdícios e constrangimentos atentatórios à inteligência.

Sim, temos problemas no nosso sistema tributário. O que nos consola, entretanto, é que todos os países têm. 
Sistemas tributários são construções imperfeitas que decorrem de conflitos de razão e de interesse. Respondem a especificidades culturais e históricas locais, pois não há paradigmas que possam ser reproduzidos acriticamente em qualquer país. São também dinâmicos, porque demandam contínuos ajustes às mudanças.

Nos Estados Unidos, estamos assistindo agora a um debate que pode modificar profundamente os fundamentos que informam a tributação da renda, com repercussões em outros países.
O G-20, em 2013, chancelou o BEPS, iniciativa que vem sendo conduzida pela OCDE, visando prevenir a erosão das bases tributárias e o deslocamento dos lucros das empresas para países e dependências com tributação privilegiada. Cuida-se, essencialmente, de enfrentar o planejamento tributário abusivo, que vem a ser a mais nociva enfermidade tributária contemporânea. 

No Brasil, os problemas tributários se desdobram em três dimensões: tamanho da carga tributária, federalismo fiscal e qualidade do sistema tributário.
Carga tributária remete ao tamanho dos gastos públicos. Não há hipótese de cogitar de sua redução sem que haja um esforço efetivo de redução das despesas.
Jamais tivemos uma autêntica federação, porquanto a nossa, instituída por decreto, corresponde à própria negação de um verdadeiro pacto federativo. Daí decorre que também não temos um federalismo fiscal minimamente articulado. Os critérios de partilha das rendas públicas são inconsistentes. A repartição dos encargos públicos é pífia.

A melhoria da qualidade do sistema tributário demanda a superação de inúmeros problemas associados à competitividade econômica, aos direitos dos contribuintes, à justiça fiscal, à simplificação e à desburocratização. Uma atenção especial deve ser dada à remoção das disfunções na tributação do consumo, notadamente o ICMS. 
Passa ao largo das discussões sobre reforma tributária as incongruências e ineficiências do processo tributário.

Os créditos inscritos na Dívida Ativa da União totalizam R$ 1,5 trilhão; cerca de R$ 620 bilhões e R$ 330 bilhões de créditos, relativos a tributos federais, se encontram em discussão na esfera administrativa e judicial, respectivamente; 60% dos litígios judiciais são relativos à matéria tributária; em 2014, quase a metade das maiores empresas (35 maiores companhias abertas) recorrem a parcelamentos de tributos, muitas vezes associados a lamentáveis anistias e remissões; ainda em 2014, o valor das disputas fiscais das 30 maiores empresas de capital aberto constitui 32% do respectivo valor de mercado.

No final de 2015, tramitavam 73,9 milhões de processos na Justiça, dos quais 28,9 milhões (39,1% do total) eram de execução fiscal. 
Apenas para argumentar, caso não ingressassem novos processos de execução fiscal e fosse mantido o vigente ritmo de execução a Justiça levaria mais de 11 anos para liquidar o atual estoque.
De mais a mais, parece cada vez mais clara a incompatibilidade entre o controle difuso de constitucionalidade e a extensão amazônica do sistema tributário constitucional. 
Nenhuma regra é seguramente constitucional. Mais grave, só saberemos se é constitucional ou não após uma longa tramitação, desde a primeira instância até a Corte Suprema. Não é sem razão que dizemos que, no Brasil, nem o passado é previsível. 

Senhoras, Senhores
As dificuldades que apontei não são intransponíveis. 
São inerentes a um mundo em transformação e a um país ainda em construção.
Nos grandes enfrentamentos, há inevitavelmente momentos de desânimo.
Volto a Drummond: “Há soluções, há bálsamos para cada hora e dor. Há fortes bálsamos...”
E concluo. Ninguém pode abdicar das utopias. O fim da esperança pode ser tido como o início da morte. 
Ainda há luz. Vamos viver.
Obrigado.
 
 
 
 
 
 
 


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